Álbum de memórias











A Relva de outros tempos

A região da Relva não foi das primeiras a ser povoada, mas foi das primeiras freguesias a ser constituidas.

Pela área da Relva, apenas campos virgens se desdobravam pelas encostas acima - campos e matas onde os louros e os azevinhos, as gingeiras e os cedros, os vinháticos e as uveiras da serra cresciam ao Deus-dará. Para esta região, que vai desde Santa Clara às Feteiras, se vieram a criar numerosas varas de porcos, antes lançados noutros locais da ilha. Os "senhores" de Vila Franca do Campo, sempre que queriam praticar largas caçadas, era para estas bandas da ilha que vinham ocupar-se nesse passatempo. Vinham nos seus batéis, por mar, com as suas armas e criadagem e uma vez desembarcados junto de Santa Clara metiam-se por terra dentro a dar caça a quantos porcos monteses encontravam. Eram caçadas que duravam alguns dias, ao fim dos quais, depois de salgarem os animais mortos, os levavam para as suas casas, como precioso mantimento.

Assim conheceu a região da Relva os primeiros contactos com o homem. Mas os anos foram passando e as primeiras famílias se foram fixando no lugar onde mais tarde Ponta Delgada havia de desenvolver-se como Vila e depois como Cidade. Com as primeiras famílias as primeiras casas; com as primeiras casas, as primeiras quintas e herdades, os primeiros gados domésticos presos à estaca ou conduzidos pelos pastores.

As primeiras pastagens naturais junto de Ponta Delgada apareceram então por estes sítios onde a erva gorda e tenrinha, constituia óptimo alimento para os gados. Daí o nome de Relva dado a este lugar, por aqui haver "boa erva".

A fixação das primeiras pessoas e famílias neste lugar deve ter, pois, sido devido à permanência de pastores e, portanto, a actividades ligadas à lavoura.

E o lugar da Relva começou a ser uma realidade, sendo de supôr que o conjunto de habitações se desenvolvesse à volta das Casas de Martim Vaz, célebre contador das ilhas - fidalgo que aqui viveu com sua gente, dando lustre ao lugar e mandando reparar a fonte da Grota, existente quase junto do mar e bem assim o caminho que à mesma conduzia. Daqui a origem dos nomes de Fonte do Contador e Grota do Contador dado aos sítios - nomes que ainda hoje se mantêm, mas que o povo chama de Contador.

Este contador Martim Vaz deveria ter sido pessoa importante, não só pelo cargo oficial que desempenhava, mas igualmente pelo número de terras que aqui possuía. Foi este contador, ao que parece, quem fundou o primeiro templo desta freguesia, dedicado a Nossa Senhora das Neves, porque num documento de 1526 e 1527, a igreja deste lugar tem também o nome de Igreja do Contador da Relva -embora já por esse tempo ela tivesse um Capelão pago pela Fazenda Real.

Primitivamente, o lugar da Relva desenvolveu-se de preferência para a banda ocidental ou seja para os lados onde a igreja se ergueu, se bem que, por exemplo, o lugar da Corujeira e Rua da Guiné nos queiram significar antiguidade.

Corujeira porquê? Não se sabe. Simplesmente o que se pode adiantar é que o termo corujeira significa no Português antigo povoação pobre, esconderijo. Donde se conclui, que enquanto a freguesia se desenvolvia para os lados da igreja, mais para baixo, na Rua de Baixo, perto da Grotinha e em ligação com um atalho que iria dar a Santa Clara, uma espécie de bairro, de gente mais pobre, uma "corujeira", afinal se formava tímido e humilde. Quanto ao topónimo Rua da Guiné, igualmente pouco se pode adiantar. Porque algum homem da Guiné ou chamado Guiné ali viveu? Porque nesse sítio havia muitas galinhas da Guiné? Não se sabe. O caso é mesmo difícil de decifrar porque em Ponta Delgada pelos sítios onde existia a Ermida do Corpo Santo houve igualmente um Bêco chamado Guiné cuja origem ainda não foi possível descobrir. Com este nome, apenas se regista a nordeste de Vila Franca do Campo um Pico de Guiné assim chamado por nele haver grande abundância de galinhas da Guiné (segundo o Cronista Fructuoso). Outros topónimos curiosos ainda se encontram aqui, como a Rua do Sabão (por aí haver uma saboaria?) e a Rua do Mulato, decerto por nela ter residido um mestiço.

Os nomes vulgares de Rua de Cima e Rua de Baixo provêm da sua situação topográfica, assim como a designação de Rua Nova deriva do facto dela ser realmente muito mais nova que as outras e ter sido aberta no tempo que a freguesia mostrou tendência para se alargar para o lado oriente, ligando por baixo o lugar chamado Pia da Relva (porque ali havia uma pia de lavar ou de simples água para beber?).

É a freguesia da Relva referida quando se alude à grande peste negra que grassou em Ponta Delgada nos anos de 1523 e 1531. Fugindo ao flagelo muita gente da então Vila de Ponta Delgada se veio recolher à freguesia da Relva e às Feteiras e, apesar disso, a peste alastrou-se, e entre a Relva e as Feteiras se enterraram mais de duzentos corpos vítimas da terrível epidemia.

Como já se referiu, a Igreja Paroquial deste lugar aparece em documentos de 1526 e 1527, como se fosse do Contador Martim Vaz. Pois no livro do almoxarife João Tavares, igualmente se faz referência à existência de um capelão o qual ganhava por ano 2$500 reis. Chamava-se esse capelão Alvares Anes e foi ele o primeiro padre que este lugar teve. O segundo foi o Padre Simão Gonçalves; o terceiro, o Padre Heitor Tenreiro; o quarto, o Padre António Lobo; o quinto, o Padre João de Conteiras; o sexto, o Padre António Neto; o sétimo, o Padre Sebastião Roiz Panchina.

Nesta freguesia viveu também um homem chamado Diogo Gomes, que tinha estado na Madeira em casa de um tio e que foi o primeiro micaelense que nesta ilha soube fabricar açucar de cana.

No ano de 1643, as coisas já tinham subido bastante e a importância do lugar aumentado consideravelmente porque já a freguesia disponha de um vigário - Francisco Fernandes Mesquita que recebia por ano 7 moios e meio de trigo e 12$666 reis em dinheiro; um cura, que ganhava 4 moios e meio de trigo e 7$330 reis em dinheiro; e de tesoureiro com vencimento de um moio de trigo e 6$000 reis em dinheiro.

Em 1690, a população da freguesia da relva aparece com 870 pessoas agrupadas em 342 casas. Isto é em cem anos a população deste lugar tinha aumentado para o dobro e o número de casas para cerca do triplo.

Quinze anos depois, em 1705, era criado definitivamente o Vicariato da Relva.

Rezam as crónicas que outrora se produziu nesta freguesia muita cevada e que um tal Jorge Afonso deixou um grande monte de cevada na eira por não possuir granel para o guardar. Passados dias, a cevada por cima do monte estava toda verde encontrando os homens um grande buraco nele. Vigiando por esse buraco viram então um porco montês sair por ele e logo atrás muitos outros. Tinha então acontecido que os porcos que andavam pelos montes, vieram até ali, ao cheiro do cereal, encontrando cevada muito sã debaixo do monte por cima do qual a própria cevada tinha grelado e enraízado, formando uma crosta.

Assim acontecia no tempo das abundâncias, no tempo em que um indivíduo chamado João Afonso, trazia em volta da sua casa tantas galinhas que quando elas se espantavam, mais pareciam bandos de estorninhos e que ponham por dia centenas de ovos.

As terras desta freguesia encontravam-se por este tempo tão povoadas de codornizes que quem as caçava as vendia à razão de meio vintém por cada quarenta.

No ano de 1800 tinha esta freguesia 1781 habitantes. Nesse tempo os Arrifes não eram freguesia e a Saúde formava um curato dependente da Relva.

Seis anos depois, em 1806, tinha esta freguesia 2018 habitantes, verificando-se nesse ano 66 nascimentos, 64 mortos, e 6 casamentos.

Em 1813, o número de habitantes era de 1902.

Em 1820, a Relva apresentava uma população de 2086 habitantes, tendo havido então 99 nascimentos, 46 mortos, e 13 casamentos.

Em 1839, a população tinha baixado para cerca de metade, ou seja para 1107 pessoas porque entretanto fora criada a freguesia dos Arrifes, levando esta consigo o lugar da Saúde, já então muito populoso.

De 1800 a 1813 verifica-se em S.Miguel uma grande saída de emigrantes para o Brasil, nada menos do que 6828 pessoas. Só da Relva saíram 230 pessoas.

Em 1813, a Relva produziu 18 moios de trigo, 630 moios de milho, 1 moio e 20 alqueires de cevada, 1 moio e 19 alqueires de fava, 2 moios e 12 alqueires de feijão, e 8 pipas de vinho.

Havia então neste lugar, além de 2 companhias de ordenança, 3 funcionários chamados de corpo civil, 3 eclesiásticos, 39 lavradores, 494 trabalhadores, 1 mendigo, e 39 artífices. Estes artífices estavam assim distribuídos: 7 carpinteiros, 1 serrador, 1 cabouqueiro, 11 pedreiros, 12 sapateiros e 7 alfaiates.

As roupas de então eram feitas de estamanha, com as quais se trajavam e andavam pelos campos, as quinzenas com que era costume casar, as roupas dos noivos todas às listras e debruadas de cadarços que, ao lado do capote e capelo em que escondia a noiva, iam à igreja brilhando como uma maravilha. Segundo uma postura camarária desse tempo o alfaiate só podia levar 400 reis pelo feitio de um capote de pano ou de baeta, forrado. Por um capote de camelão só podia levar 300 reis. Os senhores padres, porém, estavam piores, pois o feitio de uma batina andava por 4000 reis.

Nesse tempo não havia luz de petróleo e as candeias ardiam ou com óleo tirado da baga do louro que iam apanhar à serra ou com um mal cheiroso azeite de peixe, que então se vendia a 300 reis a canada.

... e muitas mais histórias e curiosidades
se poderiam mencionar referentes a esta
freguesia de Relva ...